terça-feira, 20 de outubro de 2009







Ato V    Cena III

No mausoléu, entram Capuleto, Lady Capuleto e outros

CAPULETO — O que está havendo, que tanto gritam e alardeiam por toda parte?

LADY CAPULETO — O povo nas ruas grita “Romeu”, outros, “Julieta” e ainda alguns, “Páris”; e todos correm, com altos protestos, em direção ao nosso jazigo.

PRÍNCIPE — Que pavor é esse que nos fere os ouvidos?

1.° GUARDA — Meu soberano, aqui jaz, assassinado, o conde Páris, Romeu está morto. E Julieta, antes, falecida, tem o corpo quente e está recém-morta.

PRÍNCIPE — Procurem, investiguem e esclareçam como aconteceram essas mortes infames.

1.° GUARDA — Aqui temos um frei e o criado do defunto Romeu, com ferramentas próprias para abrir as tumbas desses mortos.

CAPULETO — Ó céus! — Esposa, olha como nossa filha sangra! Esse punhal enganou-se... pois, olhe sua verdadeira morada está vazia nas costas de Montéquio... e encontrou bainha errada no peito de minha filha.

LADY CAPULETO — Ó não! Esta visão da morte é como um sino que me vem advertir de minha velhice, seduzindo-me para uma sepultura.

PRÍNCIPE — Chega perto, Montéquio, pois foste assim tão cedo acordado para ver teu filho e herdeiro assim tão cedo deitado.

MONTÉQUIO — Senhor! Meu soberano, minha esposa morreu esta noite passada. A dor pelo exílio de meu filho tirou-lhe o sopro da vida. Que outro pesar conspira contra a minha idade?

PRÍNCIPE — Olha e verás.

MONTÉQUIO — Ah, filho indisciplinado! Que modos são esses, baixando a uma sepultura antes de teu pai?

PRÍNCIPE — Calem vossos sentimentos ultrajados por uns instantes, até que possamos esclarecer essas ambigüidades e delas saber as fontes, a nascente, seu verdadeiro curso, e então serei o comandante de vossas aflições e os liderarei, nem que seja até a morte. Neste meio tempo, contenham-se e deixem que o infortúnio seja escravo da paciência, — tragam-me os suspeitos.

FREI LOURENÇO — Deles sou o maior, embora o mais fraco. No entanto, sou o principal suspeito, posto que a hora e o local conspiram contra mim, no caso dessas terríveis mortes. E aqui me coloco perante vós para me censurar e para me justificar, eu próprio por mim condenado e absolvido.

PRÍNCIPE — Então diga de uma vez o que sabe sobre esse caso.

FREI LOURENÇO — Serei breve, pois o pouco tempo que me sobra de vida é mais curto que uma história longa demais. Romeu, ali morto, era o marido daquela, Julieta; e ela, ali morta, a esposa fiel desse Romeu. Eu os casei, e o dia secreto das núpcias foi o dia da morte de Teobaldo, cujo precoce fim baniu desta cidade o noivo recém-casado. Por ele, e não por Teobaldo. Julieta definhava. O senhor, no intuito de dar fim ao estado de dor de sua filha, arranjou-lhe um contrato de casamento, e a queria casada à força com o conde Páris... Então ela recorre a mim e, com olhar desvairado, suplica-me que invente algum meio de livrá-la desse segundo matrimônio. Caso contrário, suicida-se ali mesmo, em minha cela. Assim foi que lhe dei, instruído por minha arte, uma poção soporífera, que teve o exato efeito por mim desejado, pois forjou nela a aparência da morte. Nesse meio tempo, escrevi a Romeu para que ele viesse a Verona na data desta noite de horrores para ajudar-me a tirar Julieta de sua falsa sepultura, pois então seria chegada a hora em que o efeito da poção cederia. Porém, o portador de minha correspondência, Frei João, ficou detido em Verona por acidente; e, ontem à noite, devolveu-me a carta. Aconteceu então que eu, sozinho, à hora prevista para o despertar de Julieta, vim até aqui para tirá-la da cripta de sua família, com o intuito de mantê-la em segredo em minha cela até que eu pudesse oportunamente mandar chamar Romeu. Mas quando aqui cheguei... alguns minutos antes da hora de seu despertar... já estavam mortos o nobre Páris e o fiel Romeu. Ela desperta. E eu lhe peço encarecidamente que vá embora, e que suporte com paciência essa obra do destino. Mas então um barulho afugentou-me da tumba; e ela, desesperada ao extremo, não me acompanhou. Ao que parece, usou de violência contra si mesma. Isso é tudo o que sei. Quanto ao casamento secreto, a ama de Julieta estava a par. Se alguma coisa deu errado por minha culpa, que se sacrifique esta minha vida provecta a qualquer hora antes de seu tempo. Sob o rigor da mais severa lei.

PRÍNCIPE — O senhor sempre foi reconhecidamente um homem santo. Onde está o criado de Romeu? O que pode ele nos dizer sobre isso?

BALTASAR — Levei ao meu amo a notícia da morte de Julieta, e ele, na maior pressa, veio de Mântua até aqui, este lugar, este jazigo. Esta carta ele me pediu que a entregasse a seu pai. E, ao entrar na cripta, ameaçou-me de morte caso eu não fosse embora e o deixasse só.

PRÍNCIPE — Dá-me a carta. Quero ver o que diz. Onde está o pajem do conde, que chamou a Guarda? — O que fazia teu amo neste lugar?

PAJEM — Ele trouxe flores para com elas enfeitar o túmulo de sua noiva e ordenou-me que ficasse ao longe, o que eu fiz. Logo chegou alguém, munido de luz, para abrir a tumba. Dali a pouco meu amo sacou da espada contra ele. Então saí correndo para chamar a Guarda.

PRÍNCIPE — Esta carta confirma as palavras do Frei: o andamento do amor dos dois, a notícia da morte de Julieta, e aqui ele escreve que comprou veneno de um pobre boticário, depois do que veio até à cripta, para morrer e deitar-se com Julieta. — Onde estão os inimigos? — Capuleto! — Montéquio! — Vejam que maldição recaiu sobre o ódio de vocês, que até mesmo os céus encontraram meios de matar, com amor, as vossas alegrias! E eu, por fechar meus olhos às vossas discórdias, Também perdi dois de minha família. Fomos todos punidos.

CAPULETO — Ah, irmão Montéquio, dê-me sua mão. Este é o legado de minha filha, e nada mais tenho a oferecer.

MONTÉQUIO — Mas eu posso oferecer-lhe mais: mandarei construir uma estátua de Julieta em ouro maciço. Enquanto Verona for o nome de nossa cidade, nenhuma imagem terá tanto valor quanto a de Julieta, digna e fiel.

CAPULETO — Pois a estátua de Romeu, também em ouro, estará ao lado da de sua esposa. Infelizes vítimas de nossa inimizade!

PRÍNCIPE — Melancólica paz nos traz esta manhã. O sol, de luto, não se mostrará. Embora daqui, vão, e conversem mais sobre esses tristes fatos. Alguns serão perdoados, e outros, punidos, pois jamais houve história mais dolorosa que esta de Julieta e seu querido Romeu.

(Saem)

~ William Shakespeare ~

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